Os evangelhos presentes na Bíblia não são um conjunto de leis,
nem um compêndio de doutrina, nem um manual de teologia, nem um tratado de
moral. São básicos para tais. São, na verdade, um grande roteiro da vida de
Cristo, que se revela como uma série de encontros com pessoas de diversos
tipos, raças, profissões e funções públicas. Na verdade, o Evangelho (Boa
Nova), antes de ser um texto, é a própria pessoa de Jesus Cristo, Deus e homem
verdadeiros que, pela decisão de Deus Pai, se fez visível na terra, num grande
encontro com a humanidade, pela intermediação de Maria de Nazaré.
Entre os mencionados encontros, destacam-se inúmeros
colóquios com mulheres, fato de certa forma revolucionário para os padrões da
época, visto que as leis judaicas eram bastante rigorosas em relação a isto.
Nota-se que a atitude de Cristo se destitui de todo e qualquer preconceito
contra quem quer que seja. Quando há correções, estas não partem de sentimentos
preconceituosos, mas visam a libertação do mal.
No evangelho de São João (Jo. 4,1-42), vê-se Jesus
em colóquio com a mulher samaritana, pessoa mal vista, pois tivera quatro
maridos, e o que convivia com ela na ocasião não era o seu marido. Pertencia a
grupo religioso divergente e crítico ao grupo do qual Jesus, na ordem humana,
era fiel observante. Os apóstolos “ficaram admirados ao ver Jesus conversando
com uma mulher”. O diálogo iniciado por Cristo causa estranheza à própria mulher
que, quase agressivamente, interpõe: “Como é que tu, sendo Judeu, pedes de
beber a mim que sou uma mulher samaritana?” (Jo. 4,8). O colóquio é conduzido
por Jesus num clima de sinceridade e respeito, de amor divino que termina com a
oferta da água viva que mata a sede existencial para sempre. “Dá-me desta água,
para que eu nunca mais tenha sede”. Tal mulher entendeu onde estava o sentido
da vida, pois há água que não pertence a poço nenhum da terra, mas que sacia a
sede de dignidade e que jorra para a vida eterna.
No evangelho de Marcos (Mc 5, 21-43.) Jesus
encontra-se com certa mulher acometida de hemorragia, desiludida com os
tratamentos médicos, havia 12 anos, sem resultado prático. Ela, envergonhada,
toca as vestes do Senhor, na esperança de cura. “Quem tocou minhas roupas?”,
pergunta o Senhor. Individualizando-a na multidão, ergue-a da sua humilhação e
lhe oferta a alegria da cura: “Minha filha, a tua fé te salvou; vai em paz e
fiques curada deste teu mal” ( Mc 5,34).
No mesmo trecho de Marcos, a narrativa prossegue,
mostrando outro encontro de Jesus, com uma adolescente já tida por morta. Com
as palavras de seu idioma materno, Jesus lhe diz “Talitha Kum”, que significa,
“Menina, levanta-te” (Mc 5,41). A jovem mulher se levantou e prosseguiu com
nova vida.
Em São Mateus (Mt. 15,21-28), pede-se apreciar o
encontro de Jesus com a cananeia, estrangeira, de religião diversa. O diálogo é
provocativo, testando-lhe a fé, mesmo fora da comunhão doutrinal. “Não fica bem
tirar o pão dos filhos e atirá-los aos cachorrinhos”. Responde-lhe a mulher:
“Isso é verdade, Senhor, mas também os cachorrinhos comem das migalhas que caem
da mesa de seus donos”. Jesus descobre a grandeza daquela pessoa e a integra
entre os que ele admitia e admirava, atendendo-a e exaltando-a: “Mulher, grande
é tua fé! Seja feito como queres!”. O adjetivo “grande” deve, na verdade, ser
lido no sentido qualitativo, não quantitativo, para melhor se saborear a beleza
daquela alma feminina.
Muitos outros encontros dialogais Jesus teve com
mulheres, como por exemplo, com Maria, irmã de Lázaro, com a pecadora apanhada
em flagrante adultério, com Maria Madalena, com a Viúva de Naim, e
principalmente a convivência com Maria, sua Santíssima Mãe.
Lucas afirma que mulheres acompanhavam Jesus, como
verdadeiras discípulas, registrando: “Os Doze iam com ele, e também algumas
mulheres…” (Lc. 8, 2-3). Em todos estes encontros, Jesus eleva a dignidade da
mulher, às vezes tirando-a de sua condição humilhante, às vezes exaltando os
seus dons, sempre lhes garantindo o lugar de igualdade moral no meio social.
Através dos encontros dialogais de Cristo com
mulheres, mas, sobretudo na missão de Maria, a quem Deus escolheu para ser o
único canal entre a Trindade Santíssima e a humanidade, na encarnação do Verbo,
a Igreja declara sua visão positiva sobre a mulher, criada por Deus, com tarefa
própria e específica, ao lado do homem a quem também foi dada missão própria.
Porém, se são desiguais nas suas funções e expressões, são iguais em dignidade.
Em época que se discutem questões da agenda de
gênero, não haja confusão sobre a fé cristã a respeito da mulher, nem de
qualquer ser humano, pois todas as pessoas merecem de nós o maior respeito.
Porém, também os cristãos precisam ser respeitados, pois suas posições não
partem de uma fé simplista, mas são embasadas em dados extensos científicos, na
autoridade de quem tem dois mil anos de história, e é perita em humanidade,
além da convicção de fé.
Por Dom Gil Antônio Moreira – Arcebispo de Juiz de Fora (MG)
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