Enquanto no Ocidente o
Cristianismo se propagava sempre mais, no Oriente e no Norte da África sofreu
sérias restrições por parte do Islamismo fundado no século VII.
A pessoa de Maomé
Maomé
(Muhammad-ibn-Abdallag-ibn-Mottalib) nasceu em Meca (Arábia Central)
provavelmente em 580. Faleceu com pouco mais de 50 anos, em 632. Desde
adolescente, viajava com seu tio comerciante em caravanas pela Arábia, a
Assíria e a Mesopotâmia, o que lhe proporcionou o contato com judeus e
cristãos.
Por volta de 610/11, Maomé efetuou sua
“conversão”. Profundamente impressionado pela desunião dos homens entre si,
tornava-se cada vez mais meditativo: entregava-se a severas práticas de
mortificação e retirava-se para a montanha a fim de rezar a sós. Certa vez, na
“Noite do Destino”, terá tido uma visão: em sonho, estranho personagem lhe
apareceu trazendo nas mãos um rolo de pano coberto de sinais e mandando-lhe que
lesse; após relutar contra essa ordem no sonho, Maomé acordou, consciente de
que finalmente um livro descera em seu coração. Percebia uma voz que lhe falava
em nome de Deus, atribuindo-lhe a missão de reformar as crenças, pôr termo à
idolatria e às disputas religiosas do seu povo, indicando a todos o caminho do
céu. Muito perturbado, contou o ocorrido a sua esposa Kadija, que foi consultar
um primo seu, Varaka, homem sensato e culto, que exclamou: “Deus o escolhe para
ser profeta de nova fé!” Após repetidas visões, ignorando quem era o personagem
que lhe aparecia, Maomé julgava-se perseguido por espíritos e pensava em
suicidar-se, quando, certa vez, a estranha voz lhe declarou: “Sou o anjo
Gabriel e tu serás o apóstolo do Senhor”.
Doravante o “Iluminado” pôs-se a pregar
nova forma de religião: o “Islam” ou, em árabe, a Submissão, Dedicação à
Vontade de Deus. Maomé apoiava-se na fé em um só Deus, Allah, criticando os
cultos pagãos, predizendo iminente catástrofe e apresentando reivindicações
sociais em favor dos pobres. Tais proposições só fizeram irritar a aristocracia
de Meca, de sorte que Maomé granjeou para si adversários cada vez mais hostis,
temerosos pela sorte de seus ídolos e de suas rendas comerciais. Resolveu então
transferir-se para a cidade de Medina na noite de 16/07/622. Tal acontecimento
tomou o nome de Hidjra ou Hegira, Fuga, e assinala o início da era maometana.
Em Medina Maomé, apoiado pela população
local, revelou dotes de hábil chefe político. Visando a unir numa só população
coesa seus compatriotas árabes, começou a estender o seu domínio por meio de
expedições de ataque a caravanas comerciais. Os sucessos obtidos iam-lhe
assegurando crescente número de adeptos, até que finalmente em 629 Maomé
conseguiu entrar em Meca e tomou posse do famoso santuário desta cidade dito “a
Caaba”, donde removeu os ídolos. Nos anos seguintes, foi dilatando o seu poder
mediante guerras. Finalmente, aos 08/06/632, veio a morrer. A sua obra estava
suficientemente adiantada para despertar a consciência religiosa e nacional dos
árabes e lançá-los, coesos, à conquista de numerosas nações estrangeiras
mediante a prática da “guerra santa”.
As proposições do Islam
As fontes doutrinárias do Islam são o
código sagrado do Corão (em Árabe, recitação, declamação, pois o texto devia
ser recitado no culto) e a tradição oral dita Sunna.
O Islam é monoteísta, ou seja, reconhece
um só Deus Criador, A diferença do politeísmo, que professa muitos deuses, e do
panteísmo, que identifica tudo com a Divindade. Acontece, porém, que o
monoteísmo do Islam não é originário da Arábia mesma, mas derivado do
monoteísmo judaico-cristão. Maomé nunca se apresentou como o fundador de uma
religião nova, e, sim, como o novo profeta de tradições mais antigas; a
teologia que ele ensinou, deriva-se de três blocos religiosos anteriormente
existentes:
1) a antiga
religião Árabe, de índole politeísta. Cultuava pedras “divinas”, consideradas
como mansões de seres superiores, cujas graças os homens procuravam atrair a
si. Um resquício deste culto é a veneração da “Pedra Negra”, situada na Caaba
em Meca;
2) a religião israelita, professada por
judeus residentes na Arábia, onde se entregavam ao comércio e à agricultura.
Foi desse patrimônio judaico que Maomé derivou as grandes linhas de sua
orientação religiosa: existe um só Deus, que se foi revelando aos profetas da
humanidade: Adão, Abraão, Moisés, Jesus Cristo, e consumou a sua revelação por
meio de Maomé, o maior de todos os profetas. A inserção de Maomé na linha do
judaísmo explica o uso da Bíblia no ensinamento islamítico assim como certos
costumes muçulmanos (as purificações legais, a observância do talião, a
poligamia …). Maomé, porém, não se identificou com o pensamento bíblico, porque
via em Jesus Cristo não o Filho de Deus feito homem, mas um profeta eminente (coisa
que os judeus não aceitavam);
3) a religião dos cristãos: Maomé a
conheceu principalmente em suas viagens. Tais cristãos eram geralmente
nestorianos e monofisitas. (ver capítulo 9), que lhe apresentaram um
Cristianismo debilitado; nunca chegou a ler os Evangelhos.
Sem se comprometer nem com o judaísmo nem
com o Cristianismo, Maomé se definiu como continuador da religião de Abraão e
de seu filho imediato Ismael, personagens muito mais antigos do que Moisés e
Cristo na história sagrada (na verdade o povo árabe é descendente de Ismael,
filho de Abraão e Agar). Para justificar sua independência religiosa, Maomé
atribuiu a judeus e cristãos “o grande erro de terem falsificado os livros
sagrados e o monoteísmo de Abraão e Ismael”.
A Moral maometana prescreve cinco
grandes deveres, tidos como “pilastras da Religião”:
1) professar a fé (praticamente o maior
pecado para os muçulmanos é a apostasia da fé ou a adesão à idolatria e ao
paganismo);
2) orar cinco vezes por dia (ao
alvorecer, ao meio-dia, pelas 3/4 horas da tarde, ao pôr do sol, no primeiro
quarto da noite), cumprindo-se, de cada vez, as abluções rituais prescritas;
3) jejuar durante o mês inteiro de
Ramadã, desde o nascer até o pôr do sol diariamente;
4) dar esmola aos pobres,(o que
compreende também a obrigação de dar hospedagem momentânea seja a quem for e a
qualquer hora);
5) peregrinar a Meca uma vez na vida.
O Corão
autoriza todo homem a ter quatro esposas legítimas e tantas concubinas escravas
quantas seus recursos financeiros lhe permitam. O conceito de guerra santa é
central no Islamismo e foi responsável pela rápida propagação árabe nos séculos
VII e VIII; morrer em batalha armada torna o maometano “mártir”, ou seja, herói
religioso; de resto, a noção de “predestinação”, que inevitavelmente assinala a
cada indivíduo a hora da sua morte, muito concorreu para precipitar
destemidamente os discípulos de Maomé na aventura de fazer a guerra.
A expansão do Islamismo
1. Depois da morte de Maomé, os
sucessores (califas = lugar-tenentes) chefiaram expedições conquistadoras e
predatórias a países vizinhos e distantes da Arábia. Esse avanço arrebatou ao
Império bizantino uma bela porção de seus territórios e ameaçou seriamente a
própria cultura helenística.
Também o Cristianismo foi altamente
prejudicado pela expansão maometana. Os califas Abu Bekr (632-4) e Omar
(634-44) conquistaram a Palestina, a Síria, o Egito e a Pérsia. Assim os
Patriarcados de Antioquia (637), Jerusalém (638) e Alexandria (642) ficaram sob
a dominação árabe. Tornou-se instável a condição dos cristãos residentes
naquelas regiões, especialmente caras à fé por serem o berço do Cristianismo;
tal situação explicará o surto das Cruzadas na Idade Média. A expansão árabe
foi facilitada pelo fato de que os cristãos estavam divididos entre si nos
territórios invadidos: os litígios cristológicos, em particular os monofisitas,
jogavam população e governo imperial um contra o outro. Em consequência, os
monofisitas egípcios chegaram a saudar com alegria as tropas árabes invasoras,
pois estas lhes levavam a emancipação frente a Bizâncio!
O Califa Othmam (644-56) mandou invadir
também a Armênia, Chipre e o Norte da África (especialmente Cartago). Cartago,
grande centro cristão, caiu em 698; as tropas muçulmanas foram avançando para o
Ocidente, atravessaram a Espanha de Sul a Norte e chegaram até Poitiers na
França.
Constantinopla sofreu intenso cerco nos
anos de 717-18, mas resistiu às pressões bélicas. Finalmente os muçulmanos
estabeleceram a sua capital ou a sede do seu Império no califado de Bagdad
(750-1258).
Os maometanos não sufocavam o
Cristianismo nos territórios ocupados, embora lhe fizessem restrições. Apenas
na Arábia os cristãos e os judeus foram obrigados a emigrar. Como quer que
seja, o Cristianismo sofreu graves perdas em conseqüência da expansão islâmica;
o Norte da África, que era uma região de vida cristã intensa e férvida, foi aos
poucos perdendo o seu cunho evangélico; isto, em parte, se explica pela debilitação
que as longas controvérsias teológicas acarretaram, como dito atrás.
Os muçulmanos não deixaram de procurar
ganhar adeptos entre os cristãos; favoreciam as conversões ao Islam e
ocasionalmente praticavam pressões e proselitismo. Entre as medidas
proselitistas podem-se citar: isenção de impostos para os apóstatas,
emancipação dos escravos que se convertessem, e dos servos da gleba sujeitos a
senhores cristãos. Muito ao contrário, quem se passasse do lslamismo para o
Cristianismo, era passível de morte; em conseqüência, tornava-se difícil e
estéril o trabalho dos missionários da lgreja. Compreende-se que, em tais
circunstâncias, tenha havido numerosas deserções da fé cristã, sem
possibilidade de se preencherem as lacunas abertas nos quadros da Igreja.
O desaparecimento do Cristianismo
implicava decadência cultural e até retorno à barbárie. Tal foi o caso,
certamente, do Norte-ocidental da África. Em 1055 contavam-se aí cinco sedes
diocesanas, já quase sem importância; a última delas, Cartago, extinguiu-se por
completo em 1160 aproximadamente.
O ideal da
teocracia até hoje é muito vivo entre os muçulmanos; preconizam um império
terrestre regido pelo poder religioso; tenha-se em vista o que ocorre
atualmente no Irã e no Paquistão. Este império terrestre, para defender-se ou
expandir-se, conta com cidadãos belicosos, pois a bem-aventurança celeste é
prometida não propriamente aos pacíficos, mas àqueles que morrem na guerra
santa. Em tais condições torna-se instável a sobrevivência e, mais ainda, a
expansão missionária dos cristãos.
2. As leis religiosas e morais do
Islamismo têm em mira principalmente os pecados públicos (mais suscetíveis de
definição legal). O lslamismo reconhece quase exclusivamente o foro externo (ou
o comportamento visível da pessoa). Os ditames da consciência ou o foro interno
são menos levados em conta na avaliação da conduta humana. Ora precisamente
este traço do Islamismo provocou no decorrer dos tempos uma reação ou o surto e
o cultivo da vida mística em ambientes islâmicos; assim a Mística veio a ser
inseparável da religião da lei em muitas correntes maometanas. Entre os dizeres
mesmos do Profeta não faltam os que inculcam a religião interior ou o predomínio
dos bens do espírito sobre os da carne. Maomé chegou a falar de purificação da
alma, apresentou a vida presente como “água que passa e erva que fenece” (Sur.
X 25; XIII 18); afirmou a prevalência da devoção interior sobre os sacrifícios
rituais (Sur. XXII 28). Assim o Corão mesmo era capaz de inspirar não somente
uma religião formalista, mas também uma piedade muito intensa e profunda. Foi o
que se deu nos círculos árabes que entraram em contato com sistemas religiosos
dos povos vizinhos, em particular com o Cristianismo; criou-se assim uma
autêntica mística muçulmana, da qualdois grandes expoentes são Al-Hallaj (+
922) e Al-Ghazali (+ 1111)
Especialmente a corrente sufita
dedicou-se ao cultivo da vida interior. A palavra árabe que corresponde a
Mística é tasawwuf, derivada do termo suf, lã. Significa originariamente
“vestir-se de lã”; a roupa de lã era o traje que os antigos ascetas ou monges
usavam. Designava, aos olhos do público, a vida retirada do mundo que o asceta
levava. Quem se veste assim, no Islamismo, é chamado sufi. Deste vocábulo se
deriva sufismo, o designativo da Mística islâmica.
A partir do século XII foram-se formando
comunidades de sufitas ou derviches21, que seguiam os ensinamentos dos grandes
mestres; observavam Regras de vida cenobítica assemelhando-se às Congregações
religiosas do Catolicismo. Cada comunidade constava de um grupo relativamente
pequeno de sufitas, que no convento viviam de esmolas, e de um grupo maior de
leigos, que permaneciam no mundo, mas se reuniam oportunamente para cumprir
certas práticas religiosas sob a direção de seus mestres. Algumas destas
comunidades subsistem até hoje.
Nos século XIII/XIV fizeram-se sentir no
sufismo influências do Extremo-Oriente, principalmente do hinduísmo;
caracterizaram-se em práticas como posições corporais e a repetição amiudada do
santo nome de Deus. O panteísmo assim se introduziu em vários círculos da
mística islâmica, acarretando certa degenerescência da mesma.
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