A Cristandade
tinha a sua base na “teoria das duas espadas”. Para o santo e doutor da Igreja
S. Bernardo (†1153), essas duas espadas pertencem à Igreja: uma deve ser tirada
pelo Padre; a outra, pela mão do Cavaleiro, a pedido do Padre. Foi o tempo em
que o poder temporal estava subordinado ao poder espiritual, uma vez que a
Igreja tinha construído a Cristandade e salvado a Europa da destruição dos
bárbaros. Foi neste contexto que surgiu a Inquisição. Várias são as causas que
motivaram o seu surgimento, como vimos.
Para os criminosos
comuns já existiam os tribunais civis na Idade Média, mas tanto o Estado como a
Igreja viam-se agora, diante de numerosas ideologias e heresias perigosas, que
ameaçam a Civilização; isto motivou a criação de um novo Tribunal.
No século
XI surgiram os cátaros, rejeitavam não
somente a face visível da Igreja, mas também as instituições básicas da vida
civil – o matrimônio, a autoridade governamental, o serviço militar. Como
vimos, os cátaros provocavam tumultos, ataques às igrejas, etc., por todo o decorrer
do século XI em diante, na França, na Espanha, na Alemanha, nos Países-Baixos…
É claro que
isso não podia ficar sem resposta no contexto da época. Na mentalidade da Idade
Média era lícito reprimir a heresia pelo uso da força, quando ela constituía um
perigo para a ordem religiosa e civil. A heresia ameaçava o que era mais
essencial da vida do povo – a sua fé. Ganhar o céu e evitar o inferno era a
única questão fundamental; por isso para o povo era impossível tolerar as
blasfêmias dos hereges, que para eles traziam o risco de atrair sobre a
sociedade a cólera de Deus.
Vimos que já
no século X a imperatriz bizantina Teodora (842-867) no Oriente, tinha
condenado à morte milhares de paulicianos, gnósticos e maniqueístas dualistas.
Eles predominavam no Oriente no Séc. VI no Império Bizantino (Bernard, p. 12).
A Igreja não
forçava os não-cristãos a aceitar a fé em Cristo, não obrigava os judeus, nem os pagãos ou
muçulmanos a abraçar a fé cristã. Se
houve algo diferente disso nos séculos XV e XVI, na Espanha, essas medidas
estaduais não partiram da Igreja e nem tiveram sua aprovação. Mas quem era cristão tinha assumido
obrigações diante das autoridades cristãs, que lhes davam o direito de exigir a
fidelidade. Assim, se um cristão negasse
a fé (apostasia), tornava-se réu de um crime considerado como o maior de
todos, na época.
Segundo a
mentalidade dominante, a pessoa simples, e até o homem culto, não podia
reconhecer o direito de se levantar em assunto de fé e moral contra o consenso
comum e a autoridade da Igreja
estabelecida por Deus. Se os inovadores
(hereges) guardassem para si suas ideias, poderiam viver em paz. Mas quando
começaram a doutrinar, dentro da Igreja, e atrair gente simples e desprevenida,
a Igreja e o Estado passaram a agir em defesa da população e da ordem estabelecida,
da mesma forma como hoje o Estado reprime os
revolucionários e fora da lei.
A propaganda
herética era vista como um fanatismo religioso, e uma ação contra a ordem
social. E contra elas não se podia fazer frente apenas com instrução e com
argumentos da razão, senão com coação, tribunal e prisão. Julgava-se, então, justo aplicar a pena
capital, que era comum em todos os países na época. A Igreja exigia disciplina e punições, mas
ela não pronunciava ou executava uma sentença de morte, embora certamente a
aceitasse isso no contexto jurídico da época. Isto cabia ao Estado; à Igreja
“não era lícito derramar sangue”.
Enfim, o
Estado estava convencido de que era sua obrigação ética velar pelo bem comum e
pela ordem de Deus, fundadora da Igreja visível e da ordem social.
O povo e a
autoridade civil, muito mais que a Igreja, se encarregavam de reprimir os
hereges com violência; várias vezes os reis franceses, por iniciativa própria e
contra a opinião dos bispos, condenaram à morte pregadores albigenses, por
subverterem a ordem constituída. E o povo fazia o mesmo.
Prof. Felipe
Aquino
Fonte: cleofas.com.br
0 comentários:
Postar um comentário